'Quem não baixar já pode parar de rodar': áudio mostra coação de mototaxistas para uso de app de corrida do tráfico na Vila Kennedy
08/08/2025
(Foto: Reprodução) Ação da Polícia Civil do Rio mira aplicativo de transporte clandestino operado por facção criminosa
Um áudio obtido pela Polícia Civil mostra como a facção Comando Vermelho (CV) obrigava mototaxistas da Vila Kennedy, em Bangu, na Zona Oeste do Rio, a usar um aplicativo de transporte clandestino criado pelo próprio grupo.
"Só pra lembrar que é pra todos baixar. Quem não tiver com o aplicativo, infelizmente, não vai trabalhar. Isso não é uma decisão minha e sim de força maior. Quem não baixar pra tá se adaptando ao sistema já pode parar de rodar", diz a gravação, enviada por um dos líderes do esquema aos trabalhadores.
A mensagem, segundo os investigadores, é uma das principais provas da coação sofrida por ao menos 300 mototaxistas.
O áudio circulou em grupos de mensagens usados para organização do transporte — e demonstra que o uso do aplicativo Rotax Mobili não era opcional, mas uma imposição da facção.
Monopólio e exploração de motoristas e passageiros
Na prática, o CV criou uma rede de transporte paralela ao poder público, eliminando concorrência e explorando financeiramente tanto os motoristas quanto os passageiros da região.
Segundo a 34ª DP (Bangu), o aplicativo foi desenvolvido há cerca de três meses e, desde então, vinha sendo usado como única plataforma autorizada para transporte por moto ou carro dentro da comunidade. Aplicativos como Uber e 99 eram proibidos.
A investigação estima que o aplicativo movimentava cerca de R$ 1 milhão por mês, com todo o lucro sendo repassado ao chefe do tráfico local.
Havia dois núcleos operacionais: um responsável pelo controle dos mototaxistas — com ameaças, cobranças e coações —, e outro pelo gerenciamento do dinheiro.
O slogan do Rotax Mobili reforçava a dominação territorial da facção: “O único aplicativo de viagens de carro e moto que passa pela barricada e te deixa na porta de casa”.
Operação Rota das Sombras
Nesta sexta-feira (8), a Polícia Civil deflagrou a Operação Rota das Sombras, para desmontar o esquema. Foram expedidos 7 mandados de prisão temporária e 12 de busca e apreensão. Até o início da tarde, havia 5 presos.
Durante a operação, agentes apreenderam R$ 300 mil em espécie em um dos endereços, além de uma BMW blindada que estava com um dos alvos.
A polícia também investiga o envolvimento de empresas de fachada usadas para mascarar as movimentações financeiras da Rotax Mobili.
App do tráfico tinha até logo
Reprodução/TV Globo
Prints do app do tráfico
Reprodução
O que dizem as autoridades
Veja abaixo a íntegra das notas da Secretaria de Segurança e da Polícia Civil:
"A Secretaria Segurança Pública informa que o combate à expansão das atividades econômicas ilegais ligadas ao crime organizado é uma prioridade do governo. As ações vêm sendo intensificadas, com foco em atingir a estrutura financeira dessas organizações por meio de estratégias de inteligência e integração com outros órgãos.
Um exemplo dessa atuação é a parceria com a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), que resultou em um plano para suspender provedores de internet clandestinos. Levantamento da Subsecretaria de Inteligência mostrou que cerca de 80% desses provedores que atuam em comunidades estão sob controle de facções criminosas. A exploração ilegal de internet é hoje uma das principais fontes de renda dessas organizações.
Com a mudança nas regras da Anatel, todos os provedores, mesmo os de pequeno porte, terão que se regularizar. Essa medida atinge diretamente o caixa do crime e é fruto de um trabalho conjunto entre a segurança pública e o setor regulador.
A Secretaria também atua para identificar e combater novas formas de atuação criminosa, como mostrou a operação de hoje da Polícia Civil que prendeu criminosos envolvidos na criação de um app de transporte.
O Governo do Estado do Rio de Janeiro seguirá firme no enfrentamento ao crime organizado, com ações coordenadas, uso de tecnologia, inteligência e presença constante do Estado em todas as regiões."
"A Polícia Civil, por meio de suas delegacias especializadas e distritais, investiga, realiza diligências constantes e emprega recursos de inteligência para identificar e responsabilizar criminalmente todos os envolvidos com o narcotráfico. Além disso, atua com ações constantes para desarticular a estrutura financeira, logística e operacional das facções.
Vale destacar que essas organizações criminosas se fortaleceram nos últimos cinco anos com as restrições impostas às operações policiais pela ADPF 635. Neste período, as facções ampliaram seus territórios, bem como as fontes de receitas advindas da exploração de serviços básicos e de cobranças ilícitas.
Desde o ano passado, a Polícia Civil iniciou importantes operações contra o braço financeiro das organizações criminosas. Uma delas é a “Operação Torniquete”, que tem como objetivo reprimir roubo, furto e receptação de cargas e de veículos, delitos que financiam as atividades das facções, suas disputas territoriais e ainda garantem pagamentos a familiares de faccionados, estejam eles detidos ou em liberdade. Desde setembro de 2024, já são mais de 580 presos, além de cargas e veículos recuperados, avaliados em cerca de R$ 40 milhões. As ações são contínuas e já ultrapassam R$ 70 milhões em bloqueio de bens e valores.
Outra frente que a Polícia Civil atua é o combate aos ferros-velhos clandestinos, financiados pelas facções criminosas. Desde setembro de 2024, apenas a Delegacia de Roubos e Furtos (DRF) fiscalizou mais de 310 ferros-velhos, com cerca de 100 responsáveis pelos estabelecimentos presos nestas ações. Neste mesmo período, mais de 250 toneladas de fios de cobre e materiais metálicos foram apreendidas pela especializada
"A Delegacia de Defesa dos Serviços Delegados (DDSD) tem ações constantes contra a exploração de internet por empresas ligadas ao tráfico. Nesta semana, dois provedores de internet financiados por facções foram desarticulados. Uma empresa era vinculada ao Comando Vermelho, operando na região do Morro do Quitungo, e a outra tem ligação com o Terceiro Comando Puro, com atuação predominante em Cordovil, Cidade Alta e adjacências.
Nesta sexta-feira (08/08), mais uma ação relevante foi deflagrada, contra o esquema de transporte clandestino operado pela facção Comando Vermelho na comunidade da Vila Kennedy, Zona Oeste da capital. As investigações apontaram que mais de 300 mototaxistas estavam cadastrados no sistema, gerando lucros mensais para a organização criminosa que podem chegar a R$ 1 milhão."